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Entrevista central deste número
Comendador Manuel dos Santos Gomes, presidente dao Conselho de Administração da "Proleite"
"O sucesso alcança-se com muito trabalho, dedicação e luta"
Dedicou toda a sua vida ao setor agrícola. Aos 75 anos de idade Manuel dos Santos Gomes continua a gostar do que faz. Diz que nunca pensou chegar onde chegou e que o sucesso alcança-se com muito trabalho, dedicação e luta. Um dos lemas da sua vida pauta-se por “Querer é Poder!”. E foi assim que conseguiu auferir tudo o que a vida lhe proporcionou, assim como, nas variadas organizações que ainda serve. Deu muito à agricultura e em particular ao setor leiteiro defendendo-o, dando-lhe melhores condições e visibilidade. Ocupa importantes cargos diretivos, entre os quais o de Presidente da Administração da Proleite - Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite, C.R.L.. Afirma estar na hora de sair e de dar lugar aos mais novos, sendo constantemente “pressionado” para continuar a dar o seu melhor pela agricultura portuguesa. E é por causa disso que está há cerca de 30 anos à frente da Proleite, uma das maiores unidades do ramo agroalimentar do país que foi distinguida por várias vezes como “A melhor empresa do setor”. Por todo o seu trabalho foi condecorado com o Grau de Comendador da Classe do Mérito Agrícola, Ordem de Mérito Empresarial.
Uma vida em defesa do setor agrícola. É assim que se pode resumir a sua vida?
Sim, eu não sei fazer mais nada. Estou envolvido em várias organizações da agricultura, dando sempre o meu contributo em muitas outras organizações nas várias áreas da economia social. Trabalhei sempre para dar melhores condições à agricultura e aos agricultores conseguindo uma melhoria no setor e aumentando a sua visibilidade.
Foi fácil esse percurso?
Em tudo é necessário empenho, coragem, dedicação e muito trabalho. A minha vida tem sido feita de muito trabalho, porque tenho de estar sempre muito atento. Ao fim de tantos anos ainda desempenho 18 cargos diretivos, continuando a servir a agricultura. O meu lema, quando estive no serviço militar no Ultramar, era “Querer é Poder!”. E, por isso quando queremos alguma coisa conseguimos, com mais ou menos dificuldades, com mais ou menos persistência.
Tem deixado muita obra feita. Além da nova sede da Proleite que outros investimentos importantes se devem ao seu esforço e capacidade?
A sede da Proleite custou 22 milhões e foi construída sem qualquer ajuda do Estado. Mas, além desta, fui o responsável pela nova sede da FENALAC, no Porto, e pela da CONFAGRI em Lisboa. Temos em curso a construção de outra sede, a da Confederação Portuguesa de Economia Social, um organismo que abarca nove confederações.
Desde quando vem o seu contacto com a agricultura?
Sou filho de gente humilde. Desde pequeno e até efetuar o serviço militar em Angola, ajudei os meus pais dedicando- -me aos trabalhos agrícolas nos terrenos que eram deles, e onde desenvolviam uma agricultura de subsistência contando com o contributo de quatro vacas leiteiras. Nesse tempo, a atividade principal de todas as freguesias à volta de Oliveira de Azeméis era a agricultura sendo feita por tração animal. Nesse tempo fui a primeira pessoa da freguesia de Fajões a comprar um trator. Lavrava de noite e de dia.
Eram tempos difíceis…
Sim. Estava casado há pouco tempo, o meu filho tinha sete anos, passávamos um período difícil, em que, já não ia a casa há três dias, porque andava agarrado ao trator, chegando a dormir em cima dele, parando umas horitas a descansar. Como era o único tratorista em Fajões tinha de honrar os meus compromissos. No primeiro ano, lembro--me que ganhei, na moeda antiga, cerca de 500 contos.
Sempre se preocupou em melhorar as condições da agricultura portuguesa, em especial da economia leiteira, Sente que fez tudo o que podia?
Sinto. Fiz tudo o que estava ao meu alcance, ou fiz mais do que podia, por vezes. Posso pecar por excesso e não por defeito. Proporcionei melhorias ao setor e dei-lhe uma maior visibilidade. Ainda hoje, é o setor que mais cresce no país garantindo mais de 100% da sua produção, apresentando atualmente um superavit de seis por cento. Contudo, os grandes subsídios vão para outros setores, de menor produção, e é essa a luta que tenho vindo a debater, procurando ao longo destas décadas melhorar as condições da agricultura portuguesa.
Esse reconhecimento levou-o a ser condecorado pelo então Presidente da República…
Foi uma honra ter sido condecorado com o Grau de Comendador da Classe do Mérito Agrícola, Ordem de Mérito Empresarial. Distinção essa entregue a 10 de Junho de 2012, sendo de grande excelência, representando mais para a agricultura do que propriamente para mim.
Que transformação houve na agricultura depois da criação da Proleite?
A agricultura hoje está mais profissionalizada, havendo uma maior otimização. A freguesia de Fajões, que era uma das mais agrícolas, atualmente, tem apenas um produtor de leite. Na altura eram todos agricultores, havia no mínimo cinco postos de leite e algumas salas de ordenha coletivas. Surgindo mais tarde, os resgates ao produtor, contribuindo para o abandono da atividade, ficando apenas os maiores produtores.
Quantos produtores existiam quando chegou à Proleite?
Tínhamos mais de cinco mil produtores e hoje temos pouco mais de centena e meia mas, com uma maior produção. Fomos sempre a primeira organização/cooperativa em agricultura. Passámos para os agricultores todos os remanescentes provenientes da Lactogal, por isso, além do melhor preço, temos dado, até hoje, mais dois cêntimos por litro do leite produzido por cada ano, tornando a Proleite a única Organização em Portugal a fazê-lo.
Qual foi a razão da sede da Proleite ter saído do centro da cidade?
Saímos do centro da cidade porque era uma zona de muito movimento daí termos decidido construir a nova sede na freguesia de Ul para estarmos mais próximos da autoestrada. A Proleite nasceu numa garagem junto à igreja matriz de Oliveira de Azeméis. Hoje, dispõe de modernas instalações ocupando uma área de 11 hectares.
Que peso e importância representa o setor do leite?
A nível mundial, o leite é o segundo setor atrás dos produtos hortícolas e frutícolas. Estes dados estão confirmados num estudo encomendado pela FENALAC – Federação Nacional de Laticínios de Portugal à Universidade Católica, traduzindo a importância que tem a produção leiteira, quer no país, quer no mundo, sendo o maior importador de leite a China e o maior exportador a Nova Zelândia. A Europa exporta mais na gama de queijos. Este estudo irá ser publicado brevemente.
Mas o setor leiteiro em Portugal chegou a estar em perigo no final do século XX com a entrada da marca Parmalat. O que foi feito nesse sentido?
Eu não diria que esteve em perigo, diria antes em presença de alguma agitação. A Parmalat tinha entrado no mercado nacional e, a Proleite, a Agros e a Lacticoop estavam a digladiar-se no mercado atacando-se entre si com promoções diárias.
A Parmalat obrigou-nos a repensar uma nova estratégia originando a criação da Lactogal. Nós, Proleite, estávamos melhor em relação à Agros e à Lacticoop porque tínhamos marcas mais valiosas, como a Mimosa, a marca de confiança na maioria das casas dos portugueses. Este investimento valeu-nos um quarto lugar a nível nacional e uma promoção para Oliveira de Azeméis. Com a existência de várias reuniões, chegou-se finalmente a acordo, dando origem à formação da Lactogal em 1996, iniciando nesse ano a atividade comercial e, em 1997, a industrial.
Tem algum hobby especial?
Apesar de não ter tido na família ninguém que fosse caçador, esse é o meu grande hobby. Tenho 25 cães de caça e todos os fins-de-semana (em tempo de caça) rumo até Mértola, no Alentejo, todavia, não posso esquecer o gostinho especial por relógios.
O trabalho que tem e os cargos que possui deixam-lhe tempo para a família?
Já está na idade de eu parar. Gostava de ter mais tempo para a família, mas, por vezes, não se consegue conciliar, chegando a passar dois a três dias fora de casa. Estou casado há cerca de 50 anos mas, por vezes, penso que não tivemos vida em comum mais do que 10 anos.
Chegou então a hora de ir terminando os mandatos nas organizações que lidera?
É isso que vai acontecer, conforme forem acabando os mandatos vou-me afastando para dar lugar aos mais novos. Temos de perceber que há um momento para entrar e um momento para sair, apesar de me manter na Administração de algumas organizações, mais por pressão e vontade de outras pessoas do que por minha. Por exemplo, mantenho-me já há cerca de 30 anos como Presidente da Proleite, contudo, cumprirei mais este mandato.
Intervenção política ativa com grandes obras
Conjuntamente com as suas atividades profissionais, o comendador Manuel dos San[1]tos Gomes dedicou-se à intervenção política local, tendo sido Presidente da Junta de Freguesia de Fajões entre 1980 e 1985, ocorrendo no seu mandato obras de grande relevo, como a construção do Centro Social e a Corporação de Bombeiros Voluntários de Fajões, sendo seu sócio fundador.
Apesar da insistência de muitas pessoas para ser candidato à Junta de Freguesia, o próprio recorda ter recusado inicialmente a proposta, acabou por concorrer e vencer as eleições. “Eu gosto de me dar com toda a gente. Eu não estou amarrado a partido nenhum, não sou militante de nenhum partido”, frisa.
Lembra que, a nível desportivo e quando fez parte da Junta de Freguesia, construíram um campo de futebol. “Tínhamos um clube, o Fajões, que militou na primeira divisão distrital de Aveiro”.
Trinta anos ao serviço de uma “gigante do leite”
Homem permanentemente interessado no desenvolvimento das condições económicas da agricultura portuguesa e, particularmente da economia leiteira, Manuel dos Santos Gomes ingressou no associativismo cooperativo em 1989 como vogal da Direção da PROLEITE – Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Centro Litoral, C.R.L., tendo em 1992 assumido funções como Presidente da Direção, que mantém até à presente data.
Decorrente destas funções, foi assumindo ao longo dos tempos, lugares nos órgãos sociais das empresas do Grupo Proleite. “O senhor Casimiro de Almeida é que me foi buscar para a Direção da Proleite. Em algumas abordagens que me fizeram não aceitei. Certo dia, com insistência disse-me “nós precisamos de si para defender a classe dos produtores. Isso tocou-me e não fiquei indiferente”. E cá estou eu, aqui, já há quase 30 anos”.