É professor na ESAN desde o seu “nascimento” em Oliveira de Azeméis. Pode falar um pouco sobre a sua experiência e envolvimento com a entidade que representa?
Eu licenciei-me na Universidade de Coimbra e, mais tarde, vim para a Universidade de Aveiro. Aqui fiz as minhas pós-graduações, nomeadamente o doutoramento. Logo após ter terminado o doutoramento em ciência e engenharia de materiais comecei a colaborar com a Universidade de Aveiro. Naquela altura, iniciei um trabalho com o então reitor Professor Júlio Pedrosa, que levou a um projeto piloto sobre a implementação de cursos pós-secundários. Em 1999 a Universidade de Aveiro iniciou um estudo sobre a possível criação de uma Escola na região Aveiro-Norte, que conduziu à criação do Programa Aveiro-Norte. É já em 2001, que no âmbito deste programa, se prepara a implementação de Cursos de Especialização Tecnológica (CET) na região Aveiro-Norte. Era preciso alguém que desejavelmente soubesse alguma coisa sobre esta tipologia de cursos e, portanto, na altura foi a reitora Professora Helena Nazaré, que me convidou para integrar o Programa e posteriormente esta escola superior. Iniciámos o nosso percurso no edifício Rainha. Fomos a primeira escola, a oferecer esta tipologia de cursos no país.
O professor Martinho define-se como um apaixonado pelo vidro e pela tradição vidreira… Quer falar um pouco sobre esta sua paixão?
Eu nasci no concelho de Estarreja, onde ainda hoje vivo, e o meu pai que, entretanto, já faleceu, era sensível à temática do vidro e foi-me deixando um pouco essa herança. Desde pequeno que em casa ouvia falar em vidro de Oliveira de Azeméis. O meu pai, natural deste concelho, tinha familiares e pessoas conhecidas que trabalharam na indústria do vidro. Era uma indústria fortemente empregadora na altura. Fiquei sempre com esse discurso na minha memória.
Sou engenheiro químico de formação. Desde o início da minha formação que me interessei pelos materiais e logo aí surgiu o material de eleição – o vidro. Porque na realidade eu pouco sabia sobre este material, comecei a ter uma grande curiosidade sobre os seus aspetos técnicos e científicos. Logo que vim para a Universidade de Aveiro apresentaram-me vários projetos de investigação. Um deles era com vidros de fusão para aplicações biomédicas. Eu achei o projeto bastante inovador. Comecei a trabalhar em vidros de fusão em 1990, iniciando as minhas primeiras fusões de um vidro muito particular, com características muito específicas. O meu trabalho e conhecimento evoluíram, e hoje interesso-me muito pelos aspetos históricos dos materiais e do vidro em particular. Tenho a felicidade de trabalhar hoje num concelho rico em história do vidro, mas também me apercebi que essa História ainda está por escrever.
Sabe-se que a ESAN/UA tem projetos específicos relacionados com o vidro. Pode exemplificar quais e como os trabalha junto da comunidade escolar?
Eu compreendo o significado e a importância que os oliveirenses atribuem ao Centro Vidreiro. É uma memória ainda recente! Mas, na minha ótica, aquilo que distingue Oliveira de Azeméis é, de facto, a Quinta do Côvo e toda a herança que lá está. Sempre lutei por projetos financiáveis para começarmos a trabalhar nesta temática da presença do vidro em Oliveira de Azeméis.
Temos concorrido a vários projetos, alguns deles internacionais, nomeadamente com parceiros espanhóis e franceses e apresentámos candidaturas para doutoramento à Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Recentemente obtivemos uma bolsa de doutoramento e temos já uma jovem a iniciar o seu programa doutoral e que vai olhar muito para o vidro numa vertente identitária, do design de identidade do vidro. Paralelamente, temos duas jovens a iniciar os seus mestrados connosco e que estão a terminar a digitalização do espólio bibliográfico que existia na quinta do Côvo, oferecido pelo Senhor Sebastião Castro Lemos ao arquivo municipal. Esse espólio está ainda por inventariar e estudar. Esse é o trabalho que estamos a iniciar e que nos levará, certamente, a confirmar o quão rica é esta história do vidro aqui em Oliveira de Azeméis.
E quanto ao protocolo de colaboração celebrado entre a UA e o Município para a investigação do vidro na nossa região, o que nos pode dizer sobre isto? Qual será o importante contributo da UA neste projeto do vidro?
A Câmara Municipal em boa hora, celebrou com a UA e com esta escola em particular (ESAN/UA), um protocolo que vai permitir dar uma nova dimensão e novos horizontes à investigação que estamos a realizar. Vamos “olhar” para este assunto numa perspetiva identitária de Oliveira de Azeméis, a partir da herança patrimonial da Quinta do Côvo e de todo o vidro que vem desde o século XVI. A Quinta do Côvo, sem dúvida, moldou industrialmente o concelho, a região e o país.
A indústria do vidro recorre à utilização de moldes para o fabrico de vários produtos. Se olharmos para aquilo que é a indústria dos plásticos, que requer moldes, percebemos que ocorreu um passar de testemunho entre aquilo que foi o final da atividade industrial vidreira em Oliveira de Azeméis (início do século passado) e aquilo que é a indústria de hoje, nomeadamente a dos moldes e plásticos. Portanto, nós temos uma herança enorme, como também tem a Marinha Grande, precisamente porque estes 2 concelhos têm o vidro na sua origem industrial.
Portanto, este contrato que é celebrado com a Câmara Municipal vem robustecer aquilo que são as nossas iniciativas e vai permitir reforçar a investigação sobre assunto. No final destes trabalhos será entregue uma monografia sobre a história e identidade de Oliveira de Azeméis que, esperamos, mais tarde venha a sustentar, com base em evidências científicas, o que foi a arte de saber fazer o vidro e que herança nos legou. O passo seguinte será a submissão da candidatura a património imaterial, objetivo que a Câmara Municipal pretende atingir. A monografia, essa ficará para as gerações vindouras, que olharão certamente para Oliveira de Azeméis, espero eu, de uma forma diferente e que percebam realmente o que é Oliveira de Azeméis e qual é a sua herança
Gostaria que apresentasse o grande projeto da ESAN – a “FÁBRICA DO FUTURO”.
Quando esta escola foi criada e sediada aqui em Oliveira de Azeméis, foi-nos disponibilizado como elemento fundamental para a nossa atividade, o edifício Rainha através de instalações provisórias e que não nos permitia crescer como desejávamos. Para um ensino de natureza mais tecnológica este espaço logo se revelou manifestamente insuficiente e desadequado, pelo que era urgente mudar de instalações. Em 2014 inaugurou-se então as instalações onde nos encontramos hoje. Este edifício veio dar uma dimensão muito maior ao projeto da universidade e permitiu-nos avançar para outras tipologias de cursos. Permitiu-nos enriquecer a nossa oferta de cursos, muitos deles alicerçados em tecnologias, muitas delas avançadas e, portanto, conseguimos dar uma nova dimensão à presença da Universidade de Aveiro aqui no Concelho.
A necessidade e a vontade de crescer não diminuiu, antes pelo contrário, e já se passaram 10 anos desde a inauguração do edifício atual (2014). Desde há cerca de 4 anos que tenho defendido a necessidade de se dar um novo passo, uma nova etapa de crescimento da UA em Oliveira de Azeméis.
Deixe-me dizer que a universidade crescerá aqui aquilo que a região quiser, nós não estamos aqui a pensar em fazer crescer, só por fazer crescer, não. Fazer crescer na medida em que as empresas, o tecido empresarial, o tecido económico, o tecido social, o queiram. O que nós sentimos é que este momento chegou.
Uma universidade não é apenas ensino, tem vários outros eixos de atuação. A investigação é aquilo que distingue muito uma universidade e que molda a sua capacidade de inovação e de criar conhecimento. Este facto é também fundamental aqui na região.
Portanto, a estratégia que apresentei, aquando da candidatura a diretor desta escola, foi exatamente uma estratégia alicerçada no reforço da componente de investigação e desenvolvimento tecnológico. Ou seja, tudo aquilo que são parcerias de inovação com o tecido empresarial e económico. E isso tem vindo a ser feito desde 2014, com bastante impacto nos resultados. Neste momento, este edifício não comporta mais atividade, quer de ensino quer de investigação, e daí a necessidade de um novo edifício que nos permita acomodar esta nova realidade – uma forte componente de investigação e desenvolvimento tecnológico.
Portanto, o novo edifício, vai ser uma fábrica do futuro, uma fábrica de conhecimento, uma fábrica de educação do futuro, uma fábrica de inovação e desenvolvimento tecnológico a olhar para o futuro e vai permitir realinhar a nossa atividade no edifício atual, que estrategicamente ficará muito mais centrada na componente da educação do que na componente de investigação e desenvolvimento tecnológico.
A Associação Fábrica do Futuro - TecFab, é uma associação que foi criada a 9 de outubro último, para dar enquadramento legal à “construção” deste novo projeto. Ela resulta de uma série de parcerias que foram realizadas e, num futuro próximo, irá envolver mais empresas, associações, e outras organizações. A TecFab, vai abrir “portas” para o futuro reposicionando estratégico da Universidade nesta região. É mais uma ferramenta que nós temos enquanto instrumento legal para concorrer a projetos em prol do que tanto almejamos: o desenvolvimento tecnológico, o conhecimento, a inovação! A TecFab irá andar de mãos dadas com a sustentabilidade, a automação robótica, a inteligência artificial, a realidade aumentada, a realidade virtual, a investigação em novos materiais...
Ao nível da formação dos alunos da UA que estudam cá, como vê as suas saídas profissionais. Quais são as taxas de empregabilidade na área e neste território?
Até à data a empregabilidade tem sido um fator de sucesso desta escola. Sinceramente, não conheço alunos que estejam numa situação de real desemprego. Por exemplo, os nossos cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP), pela sua natureza, são cursos muito dedicados às empresas e que exigem que o aluno passe o segundo semestre do segundo ano em formação em contexto de trabalho, ou seja numa empresa. Ora, esta prática, também comum às licenciaturas e mestrados, permite a abertura das portas para o mundo do trabalho. O aluno sai do ambiente académico para terminar o seu curso numa empresa transformadora, de serviços, social, etc.. Alguns dos nossos alunos são já ativos e procuram aumentar as suas qualificações. E bem! Regressam assim ao sistema de ensino mas, para a esmagadora maioria deles, é a primeira vez que entram no ensino superior.
O que mudaria no ensino superior para contribuir positivamente na vida profissional dos nossos jovens e futuros ativos da nossa sociedade?
Hoje vivemos num mundo em rápida transformação. Os jovens de hoje procuram novas saídas profissionais, outras regalias, outras condições de trabalho que não aquelas com que o antigo aluno se satisfazia – o emprego. Vivemos num mundo em forte mudança. As universidades devem ser altamente inovadoras, têm as suas regras, têm as suas especificidades e, em geral, são organizações de grande dimensão, onde é difícil modificar comportamentos coletivos, com processos complexos e por vezes muito burocráticos. As universidades têm diferentes formas de atuar, umas mantêm uma postura mais clássica e outras tornam-se instituições com uma atuação mais “agressiva”.
Não é habitual olharmos muito para as competências transversais dos nossos alunos. Neste momento, é necessário prestarmos atenção às denominadas soft skills e não apenas ao conhecimento técnico científico dos alunos. O reforço da autonomia das Universidades é também algo de indispensável a um sistema de ensino superior de excelência. Saliento ainda a necessidade de um plano de modernização de equipamentos e instrumentos das universidades portuguesas.
Sou da opinião que para haver uma grande evolução do sistema de ensino superior em Portugal deve haver uma evolução concertada com o ensino secundário. Por exemplo, em Portugal temos um sistema de ensino profissional mas, infelizmente, pese alguns esforços muito dignos, ainda continua a ser visto como uma vertente pobre da educação. As mudanças culturais são de facto lentas!
Imaginando os seus atuais alunos no mercado de trabalho, que conselho lhes daria?
Voltem à Universidade, este é o conselho número 1!
Porque o conhecimento é absolutamente importante. O ritmo de informação que nós temos é alucinante, a evolução e as mutações tecnológicas e de conhecimento, obriga a que o aluno, e a pessoa que se formou, volte à universidade, a esta, que seria aqui muito bem-vindo, ou outra qualquer. Mas nunca deixem de estudar para ter capacidade de inovar, para estar bem informado do ponto de vista daquilo que são as tecnologias de ponta.
Uma palavra para Oliveira de Azeméis?
Embora as pessoas olhem para Oliveira de Azeméis como um concelho de grande prática industrial, o que é real, devem também olhar como um concelho muito rico em história.
Oliveira de Azeméis tem tudo para ser um polo de desenvolvimento sustentável, capaz de atrair investimento e de fixar talento. Para isso, é preciso criar condições e com toda a certeza que a universidade terá aí um papel importante. Como referi, estamos a ampliar e melhorar o nosso campus em Oliveira de Azeméis. Tivemos recentemente luz verde para construir residências universitárias, incluindo espaços sociais, ginásio e cantina. Estamos a trabalhar intensamente para iniciar a construção desta área social já no primeiro trimestre de 2025. Esta futura realidade do campus da Universidade de Aveiro em Oliveira de Azeméis será um fator de atratividade não só para a própria universidade mas também para o concelho e para a região. No novo campus, gostaria também de ver sediadas empresas de ponta a nível mundial, que permitissem, de facto, diversificar aquilo que é a realidade industrial deste concelho. A estratégia de desenvolvimento do concelho, passará, pela aposta na formação, na educação e pelo investimento na investigação, inovação e desenvolvimento tecnológico. Oliveira de Azeméis terá de ser no futuro um polo de inovação e tecnologia de carácter e identidade industrial.