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Revista VITA #9

Oliveira de Azeméis

ERRATA: No programa do Parque Natal, na página 2, onde se lê "Concerto de Gospel Collective (entrada: 5€)" (17 DEZEMBRO), deve ler-se "Concerto de Gospel Collective (entrada: 10€)". Pede-se desculpa pelo incómodo causado.

Consulte aqui a versão digital da Revista VITA #9


Entrevista central deste número

Alfredo Morgado, o sobrevivente da indústria vidreira

“Enquanto eu viver o vidro não acabará em Oliveira de Azeméis”

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Quase cinco décadas depois de ter iniciado a atividade, Alfredo Morgado continua a ser um grande apaixonado pelo fabrico do vidro sendo, atualmente, o único a exercer esta arte no concelho onde, há cerca de cinco séculos, nasceu a primeira fábrica portuguesa de vidro, no lugar do Côvo. Localizado no parque de La Salette, o Berço Vidreiro, onde o mestre Alfredo Morgado produz uma grande variedade de peças artesanais com paixão e carinho, é a expressão máxima do que é hoje a memória da tradição vidreira em Oliveira de Azeméis. É ali que, das suas mãos, saíram milhares de peças que podem ser adquiridas pelos visitantes. É ali, em visitas programadas, que se apresenta às crianças e aos jovens esta tradição secular do concelho mostrando-lhes os métodos de fabrico e a magia de trabalhar o vidro. É também ali, bem próximo, que está a ser concluído o Centro Interpretativo do Vidro, um equipamento que pretende promover a cultura associada à herança desta antiga indústria, nomeadamente os seus aspetos históricos, culturais e sociais e outros relacionados com a cultura científica e tecnológica em torno da produção e da aplicação do vidro.

Há quantos anos desenvolve a atividade vidreira?

Iniciei a atividade vidreira com apenas 13 anos, já lá vão cinco décadas. Tem sido uma vida inteira a fazer o que eu mais gosto. Abracei esta arte de corpo e alma e trabalhei com grandes mestres que recordo com bastante saudade.

O que o levou a começar a trabalhar tão cedo?

Há cerca de 60 anos os meus pais vieram viver para Oliveira de Azeméis com o objetivo de conseguir trabalho para nós porque em Castelo de Paiva, não havia oportunidades de emprego, apenas se praticava a lavoura. Éramos 12 irmãos e os mais velhos foram trabalhar para o Centro Vidreiro. Eu na altura, com apenas 8/9 anos, ia levar-lhes o almoço e então aproveitava para ver os fornos e ficar a admirar as pessoas a trabalhar o vidro. A minha paixão por esta arte começou exatamente aí. Não foi fácil a minha entrada porque o proprietário, o senhor Jorge Mateiro, insistia que, em vez de trabalhar com o vidro, eu deveria trabalhar na secção dos moldes, o que eu não queria, mas, à terceira vez, lá aceitou e comecei a trabalhar.

Hoje é o único mestre vidreiro no concelho em atividade. Receia que esta arte termine?

Infelizmente sou o único a trabalhar o vidro atualmente. Não estou arrependido de ter seguido esta atividade que abracei com muita paixão. Se voltasse hoje ao início não trocava esta arte por mais nenhuma. Quando eu não puder trabalhar mais no vidro não irei viver muito mais tempo. Se eu não tivesse esta grande paixão dentro de mim eu poderia desenvolver outro tipo de trabalho, mas eu não me iria sentir bem a fazer outras coisas. Se existissem fábricas de vidro no concelho eu já não estaria preocupado porque sabia que esta atividade não acabaria. O que eu mais gostaria era, no dia em que tiver de deixar esta atividade, olhar para trás e pensar que os sacrifícios e tudo o que eu fiz valeram a pena por existir alguém, um ou mais jovens, a dar continuidade a esta arte.

O que é que sentiu quando encerrou o Centro Vidreiro?

Senti uma tristeza muito grande. Ainda hoje é difícil recordar esse dia. Sabíamos que a fábrica estava em decadência e que iria fechar. Muitos amigos meus que ficaram até ao encerramento do Centro Vidreiro choraram. Eu sou apaixonado pelo vidro mas não fui só eu que fiquei triste porque havia outras pessoas que gostavam muito de trabalhar lá e viviam intensamente aquela casa.

O que significa para si o Berço Vidreiro, criado há 15 anos no parque de La Salette?

Sem dúvida que aquela é a minha segunda casa, senão a primeira. Acho que não há dia nenhum em que eu não vá ao Berço Vidreiro. Depois de uma passagem transitória por Estarreja e por Santa Maria da Feira, foi com muita alegria que recebi o convite, em abril de 2007, para trabalhar no Berço Vidreiro. Sou feliz a fazer o que faço. O vidro tem de ser tratado com muito carinho e amor, tem de se sentir o que se está a fazer. O vidro faz parte de mim, corre-me nas veias porque vivo intensa[1]mente a minha profissão. O vidro é o meu sangue, o meu fôlego. Eu não me imagino a viver sem trabalhar no vidro.

Quantas peças saíram das suas mãos desde a abertura do Berço Vidreiro?

Passaram pelas minhas mãos milhares de peças. Além de peças grandes produzo muitas peças pequenas desde jarras, fruteiras, flores, cisnes, cavalinhos, porta-guardanapos e pisa papéis, entre outros objetos. Além de outros grupos de pessoas, temos a visita de muitas crianças e jovens de escolas do concelho a quem são mostradas as várias fases de produção até ao produto final.

Que instrumentos principais são usa[1]dos na produção de peças?

Além da conhecida cana de sopro com a qual se retira uma bola de vidro do forno para ser moldada por sopro, outros instrumentos utilizados na fabricação do vidro são a pinça para puxar o vidro, ferros de bolear e de abrir a boca, palheta, em madeira, para alisar as bases das peças e maço, concha feita em sobreiro ou amieiro onde se coloca a peça para se dar a primeira forma.

O que é que pode ser feito para salvar esta arte?


Além de termos um forno onde seja possível produzir todo o tipo de peças, é fundamental prosseguir, por exemplo, com as oficinas sobre o vidro e motivar jovens convidando-os a virem aprender a arte criando-se, mais tarde e consoante o interesse demonstrado, uma espécie de escola onde aprendessem a manusear o vidro. Com certeza que haveria jovens que se iriam apaixonar pela arte tanto como eu ou até com mais habilidade. É preciso começar a fazer desde já esse trabalho. A realização das oficinas é importante, mas não chega. Se há 10 anos tivéssemos cria[1]do condições já poderíamos ter uma, duas ou mais pessoas a dar continuidade à arte vidreira. Acredito que ainda vou ensinar pessoas a trabalhar o vidro e que isto não vai acabar.

A família esteve alguma vez em segundo plano em detrimento do vidro?

Dou muito valor a três coisas na minha vida: Deus, família e trabalho. Estas são as três coisas que me preenchem. Somos uma família de afetos e unida. Sou muito feliz porque sou uma pessoa crente, tenho uma família maravilhosa e faço aquilo que mais gosto que é trabalhar o vidro. Se me tirassem a atividade vidreira claro que a minha vida seria diferente. Algumas ve - zes coloquei a minha profissão à frente da família mas nunca a descurei. Quando fui para o Berço Vidreiro eu tinha de trabalhar aos sábados e domingos e aí já não podia desfrutar da companhia da família mas a minha esposa foi sempre uma mulher compreensiva.

Teve propostas para trabalhar na indústria vidreira da Marinha Grande?

Tive e cheguei a ir à Marinha Grande mas acabei por não ir trabalhar para lá porque aquilo seria quase fazer vida de emigrante. Não aceitei também porque, nessa altura, após o encerramento do Centro Vidreiro do Norte de Portugal, eu já sabia que ia trabalhar para Estarreja. Ainda o Centro Vidreiro funcionava e cheguei a ter convites para ir trabalhar para o estrangeiro mas, apesar de gostar muito desta arte, gosto muito da minha família e eu sei que a saudade não me iria deixar ficar lá. Um dia vieram também uns italianos ao Centro Vidreiro pretendendo que eu fosse trabalhar para eles. Também recebi convite para trabalhar na Alemanha.

O Centro Interpretativo do Vidro, em construção, é importante para o futuro desta atividade?

Considero que será uma infraestrutura muito importante porque será um espaço muito mais abrangente que retratará não só a história e a sua importância cultural mas também terá uma vertente científica, de divulgação, interatividade e experimentação para visitantes assim como estará direcionado para as aplicações atuais do vidro. •

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