Se a tradição ainda fosse aquilo que desde sempre foi, não teríamos tido a sorte de conhecer um jovem padeiro, empreendedor no seu ofício, levando longe a ambição de dar a conhecer uma das mais antigas e tradicionais iguarias do concelho de Oliveira de Azeméis.
Paulo Pinto tem 41 anos, é natural de Ul e quebra, simultaneamente, duas das principais características desta profissão que atravessou os séculos e faz parte da identidade de Ul: é homem e é ainda muito jovem, contrariando uma história construída, essencialmente, no feminino e que tem vindo a envelhecer à medida em que as novas gerações vão abandonando esta arte para abraçarem outros ramos de atividade.
Para além disso, Paulo Pinto acredita que “hoje o negócio do pão exige já uma carteira de clientes, ao contrário de antigamente. O padeiro tem de ter a capacidade de desenvolver uma nova visão de mercado para ser competitivo. O futuro passa por isso”, refere.
A herança familiar chega-lhe de várias gerações. “O pão está-nos no sangue”, refere Paulo Pinto. Os avós eram padeiros, o avô era padeiro e moleiro, a mãe também é padeira e foi quem lhe ensinou todas as etapas do pão. A mãe tem atualmente 70 anos e ainda coze o pão que diariamente Paulo Pinto faz chegar aos seus clientes, um processo todo ele manual, sem recurso a máquinas, o que confere ao pão características únicas.
Recorda que ainda menino, com 8 ou 9 anos, acompanhava o avô nas vendas para Vale de Cambra, feitas numa carrinha muito antiga, uma viagem de encontro entre gerações, que veio a ser determinante nas escolhas de vida de Paulo Pinto. “Era uma brincadeira, era uma diversão para mim”, afirma.
O pai ajudava a mãe, mas apenas aos fins de semana, porque tinha uma sapataria. Paulo Pinto trabalhou durante quinze anos na sapataria do pai, e foi o encerramento da fábrica que o fez lançar-se à aventura de fazer do pão a sua profissão.
Recorda que, de antigamente para hoje, o ofício do pão foi evoluindo e as mudanças foram acontecendo fruto da evolução dos tempos. A introdução de máquinas tirou parte do pesado trabalho de braços, uma vez que o pão era amassado e tendido à mão e os «empelos» eram feitos a olho, sem precisarem de balança ou de medida.
Hoje são as amassadeiras e as tendedeiras elétricas que basicamente deixam o pão pronto para colocar ao forno, inclusivamente, há tendedeiras que já enrolam o pão, pelo que as padeiras já não precisam de o tender. “A quantidade de pão que se cozia há 50 ou 60 anos é totalmente diferente. Hoje seria impensável fazer tudo à mão”, refere Paulo Pinto.
Também os fornos antigos têm na sua construção outros materiais que lhes conferiam uma cozedura diferente, que não é comparável a qualquer outro forno recente. Eram fornos construídos com tijolos das antigas fábricas de cerâmica que, entretanto, foram desaparecendo. Refere que os seus clientes facilmente distinguem o pão que é cozido na sua padaria e aquele que sai do velhinho forno da mãe, normalmente, mais tostadinho, mais raiado.
Paulo Pinto explica que até na forma como eram feitas as vendas se denotam diferenças. Nos tempos da mãe e da avó, vendia-se imenso pão e regueifas para os mercados, para as feiras e festas. O pão era distribuído a pé, de porta em porta, e quando surgiram as primeiras viaturas, parava-se a carrinha num local específico que o povo já conhecia, apitava-se e as pessoas naturalmente apareciam de saca na mão para ir buscar o pão. Também existiam clientes que compravam o pão diretamente na casa das padeiras e que já conheciam o horário do pão quente a sair do forno.
Conta que a simplicidade desta arte não apresenta segredos, porque o pão tradicional é apenas uma mistura de água, sal, fermento e farinha, sem aditivos nem conservantes. Quanto ao fermento, recorre-se ao mais natural, tanto que o processo de fermentação é mais curto para o pão de Ul, que não se consegue aguentar tão fresco de um dia para o outro. De resto, o famoso pão de Ul só necessita de vontade e gosto de trabalhar.
Paulo Pinto tem clientes em vários concelhos vizinhos, essencialmente restaurantes, supermercados e frutarias, e abrange, para além de Oliveira de Azeméis, o concelho de S. João da Madeira, de Santa Maria da Feira, a cidade de Aveiro, onde faz quatro restaurantes no Mercado do Peixe e outros concelhos dos arredores, uma vez que fornece a rede de Frutarias Monte Cristo, com lojas em Válega, Aveiro, Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha, S. Bernardo, Arcozelo, Matosinhos, Santa Maria da Feira, Estarreja, Gafanha da Nazaré, Gafanha da Encarnação, Santa Joana e Ovar.
Também tem loja própria em Oliveira de Azeméis, um projeto com quatro anos de existência e, mais recentemente, abriu nova padaria em S. João da Madeira que só fará o seu primeiro aniversário para o Verão.
Refere que o seu trabalho o ocupa cerca de vinte horas por dia, com apenas quatro horas para descansar. Começa a trabalhar à meia noite e termina às nove e meia, dez horas da manhã. A distribuição é feita até ao início da tarde. Já ao fim-de-semana o trabalho duplica de volume, o que o obriga a trabalhar das nove horas da noite até às duas da tarde do dia seguinte. As tardes são passadas a organizar a jornada do dia seguinte.
Paulo Pinto explica que os restaurantes têm mais clientes ao fim de semana e as encomendas quase que duplicam. Da mesma forma, nos supermercados e frutarias, há maior procura ao sábado, uma vez que as famílias têm mais tempo disponível para as compras.
Porque não consegue alimentar o seu negócio sem ajuda, para além de trabalhador, Paulo Pinto é também empregador e contribui para a economia local. Tem já oito funcionários a trabalhar consigo, entre os quais a mãe e outros familiares que, desta forma, contribuem para o seu sustento e para o sucesso de um projeto que precisa de «braços» para andar.
Um dos seus maiores constrangimentos na área do pão é encontrar pessoas que estejam interessadas em abraçar esta profissão, pesada em termos de horários, mas também limitativa das folgas e dos dias de descanso. Para além disso, os poucos interessados que aparecem vêm habituados a fornos com telas e a um tipo de massa que contém aditivos para poder ser conservada no frio. Deparam-se, na sua padaria, com a austeridade dos fornos de lenha e com a exigência de um trabalho de massas que não permite pausas, nem distrações, o que os leva facilmente a desistir.
É por isso que Paulo Pinto não descarta a possibilidade de um dia poder vir a dar formação aos mais jovens como forma de garantir que a profissão terá sucessores e que não acabará quando as padeiras mais velhas deixarem de cozer, ainda que concorde que a melhor formação vem da experiência e dos erros que se vão cometendo na prática diária.
Reconhece a importância da existência na freguesia de uma associação, a Associação de Produtores de Pão de Ul, que representa dignamente a profissão e que poderá ter um papel importantíssimo para incentivar os jovens a interessar-se pelo pão de Ul.
Para além disso, através do turismo, Paulo Pinto refere que são muitas as oportunidades de divulgação deste produto artesanal, por exemplo, através da criação de uma “rota das padeiras”, onde os visitantes poderiam conhecer todo o processo de confeção, desde a moagem do trigo ao produto final, com oficinas ao vivo e sessões de experimentação das técnicas para cativar todas as idades.
Paulo Pinto tem vivos os sonhos e fortes as convicções que o levam a acreditar verdadeiramente naquilo que faz e, orgulhosamente, explica que o pão de Ul se encontra em processo de classificação, de tantos produtos que poderiam ser escolhidos para receber tal distinção.
Tal aposta significa que existe ainda um longo caminho a percorrer que precisa do empenho e da dedicação de muitas entidades com capacidade de desenvolvimento e inovação, mas principalmente, precisa do carinho da população de Ul e das padeiras e padeiros em atividade e da confiança de todas as famílias que, em Oliveira de Azeméis e nos concelhos vizinhos, colocam o pão de Ul no topo das suas preferências, ajudando à sua preservação e divulgação.