António Tavares, de 57 anos, é filho e neto de padeiras de Ul e aprendeu a cozer o pão do contacto próximo que tinha com o ofício da mãe, da madrinha e das tias. Desde criança esteve sempre ligado ao pão, até porque, para além da padaria da mãe, também ajudava o padrinho, moleiro de profissão, a moer a farinha num dos muitos moinhos de água da aldeia de Ul.
Recorda-se que com 10 ou 11 anos de idade já ajudava um outro moleiro no ofício, apelidado de «ti Joaquim Pataca», que morava perto da Igreja. Em troca do seu contributo para colocar o trigo nas lavadoras, António Tavares recebia a merenda do dia, algum «dinheirito» e recorda o contentamento com que, rapazote, ocupava o seu tempo.
Estudou até ao sexto ano de escolaridade e trabalhou alguns anos na sapataria do pai, passou temporariamente por uma empresa de moldes e já tinha mais de 20 anos de idade quando se determinou a trabalhar na padaria da mãe. Começou com a responsabilidade de contactar diretamente com os clientes, gostou da ligação familiar e de amizade com as pessoas e, assim, foi-se interessando pelo negócio.
Quando António Tavares começou a trabalhar com a mãe, esta já tinha uma boa carteira de clientes nas freguesias vizinhas, a mesma que, entretanto, assumiu quando a mãe decidiu aposentar-se, e isso levou-o a procurar clientes em paragens onde ainda ninguém se tinha aventurado a levar o pão de Ul. Foi o padeiro que, há alguns anos atrás, mais longe deu a conhecer esta iguaria que percorreu as Feiras de Espinho, Carvalhos, Senhora da Hora, Matosinhos, Leça do Balio, Leça da Palmeira e Gondomar. Na verdade, apercebeu-se que os clientes da feira semanal de Espinho, realizada às segundas-feiras, percorriam outras feiras semelhantes na região do Porto, nos restantes dias da semana, e António Tavares seguiu-lhes os passos.
E se na feira de Espinho tinha um lugar de venda fixo, nas restantes feiras não tinha um espaço de venda próprio e andava a pé, com as cestas nas mãos, à procura de fregueses. Chegava antes das 8 horas à Feira de Espinho, o que implicava começar a cozer muito antes da mãe ter de dar início à sua própria atividade, até porque os clientes locais recebiam uma preferência especial reconhecida pela antiguidade e não podiam ser prejudicados. Andou neste vai e vem frenético durante quatro anos, mas, ainda hoje, tem saudades das viagens empreendidas porque gostava imenso de vender nas feiras.
Ao contrário da maioria das padeiras de Ul, António Tavares coloca o pão todo ao mesmo tempo no forno e retira-o todo ao mesmo tempo, também. “O de trás fica mais tostadinho e o da frente mais malcozido”, mas assim o forno não perde o calor durante a cozedura da fornada. O seu forno, construído por um tio do pai, leva 200 padas, mas já houve vezes em que conseguiu «acamar» 230 padas. Coze três fornadas por dia durante a semana e ao sábado quatro fornadas e, ainda, as regueifas, o equivalente a 600 padas à semana e a mais de 700 padas ao sábado.
Sabe que o forno só está pronto para cozer quando o negrume dos seus tijolos começar a ficar branco, sinal que atingiu a temperatura ideal. É nesta fase que retira as brasas para uma antiga leiteira de alumínio e limpa o forno com um varredouro feito com folhas de austrália, sem qualquer fragrância que poderia desvirtuar o sabor do pão. Algum brasido é deixado junto da abertura do forno para impedir a saída do calor e para dar cor ao pão. “São os segredos do padeiro”, explica António Tavares.
“O forno tem a sua ciência, não é qualquer pessoa que sabe lidar com ele. É necessário saber a quantidade de lenha certa que se coloca «no lar», porque se for muita, o pão fica queimado, se for pouca, o pão ficará cru”, elucida António Tavares.
António Tavares assegura que no processo de fabrico do pão não há lugar a desperdícios porque até o carvão é vendido aos clientes ao preço de quatro euros a saca. As brasas também são usadas para amornar a água na velha panela de ferro que repousa aos pés do forno, água que será usada para a mágica mistura com a farinha, o fermento e o sal, dando origem à massa lêveda e elástica que caracteriza o pão de Ul.
Também revela que “os pães depois de tendidos requerem forno rapidamente, para não perderem «o ponto de lêvedo». E se nas padarias industriais, depois de amassado e tendido, o pão é conservado no frio para ser cozido no dia seguinte, no processo de fabrico artesanal tudo tem de ser feito na hora, cronometrado ao minuto, sem atrasos ou pressas, porque “todas as fases têm o tempo certo”, clarifica António Tavares. De verão, o pão leveda mais rápido e requer outras técnicas na confeção, já que não dá muito tempo ao padeiro para colocar o pão ao forno. Já de inverno, a massa leveda de forma mais lenta e é tapada com um cobertor ou lençol para evitar que seque devido ao frio e ao vento.
Faz a venda porta a porta em Travanca, no Pinheiro da Bemposta, em Besteiros (Palmaz), Figueiredo (Santiago de Riba-Ul) e Caniços (Travanca) e vende para alguns restaurantes. Alguns destes clientes já eram tradicionalmente clientes da mãe. À semana levanta-se às quatro horas da manhã. Ao sábado levanta-se à primeira hora da madrugada e o filho Ricardo, de 26 anos, também ajuda no ofício, porque as quantidades são muito superiores. Já a distribuição é feita quase sempre por volta das 10h00.
Como trabalha com a esposa Almerinda Silva, com quem casou há 30 anos, muitas das tarefas são repartidas entre o casal e na hora de dar «as voltas pelos clientes», a esposa encarrega-se de fazer a limpeza da padaria e de atender alguns vizinhos que se assomam à porta para levantar o pão da manhã.
Almerinda Silva, natural de S. João da Madeira, trabalha há relativamente pouco tempo na padaria. Teve outras profissões e depois da sogra ter deixado de trabalhar devido à aposentação, resolveu ajudar na padaria porque “o trabalho só para uma pessoa é pesado”. É preciso amassar, tender, colocar ao forno, retirar no forno, fazer a venda e limpar religiosamente todos os materiais, para que a padaria fique pronta a funcionar na madrugada seguinte.
Do seu trabalho, António Tavares revela que o que mais gosta é de contactar com os clientes, entusiasmo que já lhe vem dos tempos em que fazia as feiras. Sabe que os seus clientes gostam do seu pão e isso é motivo de orgulho. Não se imagina a fazer outra coisa e o futuro será vivido entre pás e masseiras, tabuleiros e cestas de pão, cumprindo um desígnio feito tradição.